quarta-feira, 16 de abril de 2008

Flores de Papel

Em um dia ensolarado, bem distante daqui havia um reino, um reino de flores de papel. Nele as pessoas eram felizes, emotivas e cheias de vida. O sofrimento, a tristeza e a desilusão não tinham espaço ou vez, cada criatura acordava agradecendo a Deus, ou aos deuses, as maravilhas que testemunhavam. Cada criatura era única, cheia de magia, cativante e sempre pronta a servir o bem comum. Não existiam mágoas, tudo se resolvia com uma boa conversa e trabalho conjunto.
Infelizmente a alegria não é permanente e a falha, o fracasso e a destruição espreitam a todo momento, prontas a fragmentar a realidade. E tudo começou com um homem torto, mesquinho, nascido com uma estrela ruim e predisposto ao azar.
Logo ele iniciou seu caminho cheio de perfídia, remorso e corrupção, influenciando a todos. Bastou apenas um elemento para que o reino das flores de papel se perdesse, as grandes torres se queimassem, e o céu ficasse eternamente morto e nublado. Não havia mais alegria ou encanto, tudo que existia era sofrimento, dor e desilusão.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Valsa

- Pensa em algo.
- Tipo?
- Qualquer coisa.
- Como assim qualquer coisa?
- Ai, caramba, como você é. Pensa em algo logo, pô!
- Qualquer coisa?
- Sim!
- Pronto. E?
- Agora imagina esse algo, só que azul.
- Não dá.
- Como assim não dá?
- O algo que imaginei é verde.
- Então imagina ele azul, oras!
- Mas se eu mudar de cor, não vai ser mais o algo que pensei.
- Ai, mala. Ta bom! Vamos tentar outra coisa.
- Certo.
- Pensa num número qualquer.
- Ta, pensei. E?
- Multiplica por 5.
- Ok.
- Soma 8.
- Hum...
- Multiplica por 4.
- E?
- Soma 30.
- Fiz.
- Multiplica por 5.
- Pronto
-Agora diz o resultado.
- 624,159265.
- Gaaahhhhhhhh. Cacete que número você pensou?
- Em pi, eu. Você disse qualquer número. Aí pensei em 3,14159265.
- Afee, eu te odeio, sabia?
- Acho que sim.
- Vamos tentar outra.
- Ta bom.
- Uma pessoa tem que transportar 1 galinha, 1 raposa e um saco de milho de uma margem à outra do rio. Apenas ela e um dos "acompanhantes" podem atravessar com o barco em cada viagem. A galinha não pode ser deixada sozinha com o milho (pois o come) nem com a raposa (pois é comida). Como a pessoa realiza a travessia sem perder nenhum de seus bens?
- Essa é fácil.
- Então me diz a resposta.
- Primeiro eu levo a galinha pro outro lado. E volto.
- Certo.
- Ai eu volto e pego o milho, chegando do outro lado eu deixo o milho, pego a galinha e enterro ela, deixando só o pescoço de fora.
- Arg. Você não pode enterrar a galinha.
- Quem disse? Não tava nas regras.
- Assim não dá. Ou você leva a sério ou paramos. Vamos tentar pela última vez.
- Ta bom, mas vê se faz a pergunta direito, oras bolas.
- Escolhe uma carta.
- Hum...Essa.
- Retira do baralho.
- Pronto.
- Agora embaralha ela de volta, e me devolve o baralho com ela.
- Ta...pronto.
- A carta que você escolheu, foi...hum... essa!
- Não sei.
- Como não sabe?
- Você me mandou escolher uma, não memoriza-la. Ei ei,, solta essa cadeira e...
CRECK !!!
Silêncio.

domingo, 6 de abril de 2008

Uma Noite

Ao cair da noite chovia intensamente, com as ruas tomadas por poças e pela água que corria pelas sarjetas. Nela dois vultos caminhavam, parecendo pouco se importar com o clima, com o horário ou com o que quer que fosse que se apresentasse naquela noite. Seus risos e comentários ecoavam por toda parte, preenchendo o vazio de sons, tendo como pano de fundo apenas o ruído natural da chuva.
Estavam encharcados, com frio, mas ainda assim satisfeitos, a noite havia transcorrido da melhor maneira possível e o fim prometia ser agradável. Pareciam ignorar os carros, os pedestres; qualquer um ou qualquer coisa que se colocasse no caminho dos dois era contornado.
Tomados apenas pela fascinação que sentiam, procuravam apenas os lábios um do outro, que mesmo gelados pela chuva, se aqueciam com o contato. As mãos tocavam cada parte de pele por baixo da roupa que podia ser alcançada, a satisfação era uma constante.
Ele a envolvia pela cintura com firmeza, como se na intenção de garantir que realmente a situação ocorria. Ela retribuía com o olhar fixo e calmo, aquele não era o momento de dúvidas.
Somente sombras na escuridão, que se contempladas se misturavam à noite, ao cair da chuva e ao silêncio ao seu redor.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Irineu

O doce sabor do álcool tornava mais suportável a situação de Irineu. Eram momentos em que o embotamento, a leve dormência da alma e dos sentidos ofereciam algum descanso para uma alma partida e puída. A cabeça tornava-se mais leve, os problemas imediatos desapareciam e, no frio do paladar que tomava conta de sua boca, encontrava uma sensação agradável.

Os copos se empilhavam junto a inúmeras garrafas pela casa, eventualmente eram limpos pela necessidade de uma vez mais receberem o líquido vermelho que Irineu tanto apreciava. As garrafas de vinho eram inúmeras; presentes de amigos, conhecidos ou aquisições que ele mesmo fazia com seu trabalho.

Cada copo cheio era admirado contra a luz, examinado pela sua aparência, cor, cheiro e sensações que despertavam em sua boca, antes e após cada gole. Este ritual tomava horas de seu dia, em que era acompanhado pelo tabaco, outro grande prazer de Irineu. Mas tudo pouco importava, a realidade se avizinhava a cada dia que aparecia no horizonte, cheio de sombras, tristeza e mágoa.

O prazer despertado pelo álcool era inversamente proporcional à felicidade do dia seguinte. Seu corpo já não mais aceitava essa agressão em nome do prazer, seu fígado se ressentia pelos maus-tratos de anos, bem como sintomas de gota já surgiam. Seu mau humor era amplamente conhecido por todos os indivíduos que tinham o desprazer de compartilhar minutos junto a ele, alvos que eram de suas perfídias e maquinações.

Nada restava além do álcool e da fumaça que o envolviam quando se isolava. Seu apartamento era um deserto de vida, nunca havia pessoas, plantas ou qualquer tipo de animal, a não ser que morto e pronto para ser cozido. A vida se azedava continuamente e ele não sabia o que fazer.

Não sabia exatamente como tudo havia começado, só percebia que tinha relação com perdas irreparáveis, por sofrimentos que ele mesmo tinha se impingido, ignorando qualquer outra forma de lidar com as incertezas da vida. Tinha se fechado, como um cômodo que coberto por lençóis e sem ver a luz do dia por anos a fio, se visse mofado, sem vida.

Nada mais restava além do álcool, do silencioso envenenamento a que se submetia todos os dias, ciente e esperançoso de que o fim estava próximo.