terça-feira, 25 de março de 2008

Caminhar

Andava sem saber bem o porquê, apenas sabia que algo o sufocava e que ele não tinha uma explicação razoável ou maneira de se desvencilhar de tudo isso. Cada passo não era planejado, não levava a destino nenhum específico e apenas era conseqüência da necessidade de se manter em movimento. O corpo era testemunha de cada coisa que sentia, com os ombros arqueados, a cabeça baixa e uma expressão nos olhos que de maneira alguma era convite aos mais curiosos.

Ele acreditava que andar tornaria mais difícil pensar, mas logo viu que as duas coisas não se dissociavam, o cansaço relativo ao desgaste só o entreteria em parte. Cada carro que passava nada mais era do que um simples borrão sem sentido, as pessoas que atravessavam seu caminho não tinham mais rostos ou forma, o mundo parecia desfocado.

Como a cabeça não desanuviava, como os sentidos não se embotavam, foi obrigado a pensar em novas estratégias. A primeira que veio a sua cabeça foi utilizar a corrente que sempre levava consigo, enrolando cada ponta em uma das mãos e em seguida puxando. A dor resultante era razoável e de certa forma ajudava a passar o tempo, sofrer fisicamente é mais imediato e distrai bem mais do que só no campo das idéias, porém, não era o bastante.

As chaves que pendiam da corrente também ganharam participação na cena, sem parar por um minuto que fosse ele as apertava contra o antebraço, querendo acompanhar se alguma conseguia romper a pele e, quem sabe, até mesmo sangrar um pouco que fosse. Podia parecer patético, mas na rua, sem objetos cortantes o suficiente e sem querer chamar atenção desnecessária, era o algo possível. Para seu desalento, conseguiu apenas manchas roxas e alguma pele mais esfolada do que qualquer outra coisa.

O cenário mudava mas os sentimentos ainda estavam lá, confusos, perdidos e até mesmo desesperadores. O próximo alvo eram os postes, apenas os metálicos que ele encontrava pelo caminho e que golpeava sucessivamente com cada uma de suas mãos. Era um ato de concentração, golpear errado e quebrar um dedo era uma idiotice a qual ele não podia se permitir. Sua mão direita acertava com gosto, sempre pronta a fazer barulho e balançar o que se apresentava a sua frente. A mão esquerda era uma lástima, passava longe dos postes ou simplesmente doía a cada golpe aplicado, provocando pouco movimento e quase nenhum som.

Mãos esfoladas e cortadas, antebraço ferido, o andar incessante, tudo isso proporcionava um pouco de endorfina, um pouco de prazer agora bem vindo. Nem assim ele parou; perdeu a conta de quantos carros ameaçaram atropelá-lo e ele de forma distraída só percebeu no último momento; não sabia aonde ia ou o que faria, apenas andava sem direção.

sábado, 8 de março de 2008

Risos

Risos por toda parte, dos seus amigos, familiares, pessoas que passavam pela rua e que sem o conhecer sabiam que se tratava de uma figura patética. Ele não agüentava mais o escárnio perpétuo, o sarro que o mundo tirava dele dia após dia, sentia-se humilhado e fraco. Tampava seus ouvidos e fechava os olhos na esperança de que os risos cessassem e esquecessem de sua existência infeliz, mas não era o que acontecia.

A cada dia os risos se tornavam cada vez mais altos e assustadores, sua cabeça latejava e sentia um nó no estômago a cada vez que pensava em abandonar seu quarto. Definhou sozinho, incapaz de sair de casa para comprar comida, ou pagar suas contas, teve sua luz e água cortada mas permaneceu incapaz de sair de casa.

No início ainda pensava em comer o que tivesse em sua moradia, nem que fossem nacos de couro ou insetos que o visitavam; água bebia da chuva. Mas em um dado momento as gargalhadas o alcançaram nestes atos espúrios, no que ele parou novamente. Só restava esperar pela morte que, felizmente, não chegou rindo.

Sozinha

Ela chorava porque estava magoada, com o mundo, com as pessoas, com sua percepção dos fatos. Era inegável que algo iria acontecer, que transformações existiriam e que o gosto amargo em sua boca não desapareceria por completo. Viver é esmagar pequenas coisas ao seu redor e concentrar-se nas maiores, ela pensou.

Aquele não era um dia diferente, pessoas caminhavam de maneira normal, os ônibus se enfileiravam para recolher aqueles que se serviam dele e a monotonia do céu cinzento se espalhava e engolfava a todos nós. Não havia espaço para desculpas, para sorrisos ou o que fosse; o ar pesado com cheiro e gosto de fuligem junto com o som dos carros eram as únicas coisas que prendiam a atenção.

Desta forma ela vagava, perdida, acreditava que o simples ato de se por em movimento, acelerar sua pulsação, ajudaria a se sentir mais viva, no entanto não estava funcionando. As pessoas a deprimiam com seus olhares taciturnos ou cheios de malícia; a paisagem não ajudava, horrenda e deprimente; sua cabeça menos ainda, habitada por demônios e insatisfações. O cenário era o pior possível e nada parecia melhorar.

As pessoas a encaravam pela rua e a consideravam fraca por externar tamanha tristeza. Dentro do esquema dominante tudo tinha que ser escondido, reprimido e confinado. Ao perceber que seus passos não a levavam a lugar algum, sentou-se na calçada ao pé de uma árvore, onde abraçou seus joelhos e chorou convulsivamente por longos minutos. Estava sozinha e ninguém pareceu notar.

sexta-feira, 7 de março de 2008

??

- Um dia a gente consegue mudar algo. Com essa frase ela encerrou a conversa que já se arrastava por horas.
Tudo havia começado quando ele resolveu fazer uma pergunta simples, quase retórica, que ela como sempre interpretou ao pé da letra e desenvolveu todo um longo monólogo que começou com citações, passou por elucubrações desconexas e acabou com a questão da condição humana e uma frase de efeito.
Ela se afastava enquanto ele olhava abismado, será que algum dia ela vai conseguir responder um oi com apenas um oi, pensava ele.
Tudo nela o irritava, a cor do cabelo, a escolha das roupas, o perfume, a voz, por mais que prestasse atenção e procurasse com afinco, não conseguia achar nada que gostasse. Porém não podia deixar de querer vê-la, de falar, de olhar para ela. Era quase uma necessidade, por mais mal que fizesse, por mais insuportável que fosse, ele simplesmente precisava olhar para o rosto dela e ouvir a sua voz.
Muitos falavam que era amor, muitos falavam que era paixão, mas ele sabia que não era isso, algo mais o impulsionava, algo mais o incentivava a continuar com isso.
Hoje, porém ao repassar o encontro do dia durante o caminho para casa, percebeu o que realmente sentia por ela. Sorriu e pensou que realmente um dia a gente consegue mudar algo.
Chegou a casa, tomou um banho e foi dormir, não antes de olhar para janela e falar em alto e bom som:
- Amanhã eu irei matá-la!
Adormeceu ao som de Echo & The Bunnymen, com a consciência daqueles que encontram a cura de seus tormentos.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Clichês...

..ou, Um pequeno texto sobre nada.

Estava tremendo, o suor escorria de sua testa. Seu corpo estava quente, sua mão tremia. Finalmente a overdose de comprimidos fazia efeito. O mundo girava. Seus olhos estavam embaçados. Apagou.
Pegou-se voando, viu um hipopótamo voando a seu lado, espelhos escorriam pelos cantos, escrivaninhas atacavam violoncelos. Marilyn Monroe furada a bala sorria para ele. O mundo girava. Porra – pensou ele, até nas minhas alucinações não consigo ser original. Uns tomam ácidos e vem portas, outros fumam ervas e vêem Deus. Eu tomo Valium e o que vejo, Machado de Assis, Dali, Miró e Andy Warhol. Puta que o pariu, é por isso que me matei – terminava o pensamento. Continuou vagando por alucinações de outras pessoas. Talvez a vida pós a morte seguisse a vida.
A vida dele podia ser resumida em dois, no máximo três clichês de filme de sessão da tarde. Seus romances podiam ser cantados com toda a graça e sutileza das músicas de grupos de pagode. Seu emprego era de contínuo. Tinha um gato, vivia sozinho num apartamento desarrumado. Na geladeira só tinha cerveja.
Tudo isso foi apresentado pela ex-mulher, somado às observações in loco dos policiais, ao delegado responsável pelo caso. Este depois de ouvir tudo e muito pensar, concluiu que o que ocorreu foi um suicídio. Fechou o botão da camisa, cobrindo o crucifixo dourado, cospiu o palito do canto da boca, tirou o chapéu da cabeça e o segurou na frente do peito. Feito isso olhou paras as pessoas presentes na sala e propôs um minuto de silêncio, uma vez que ali não morrera somente mais um cidadão, mas sim uma referência.