terça-feira, 1 de abril de 2008

Irineu

O doce sabor do álcool tornava mais suportável a situação de Irineu. Eram momentos em que o embotamento, a leve dormência da alma e dos sentidos ofereciam algum descanso para uma alma partida e puída. A cabeça tornava-se mais leve, os problemas imediatos desapareciam e, no frio do paladar que tomava conta de sua boca, encontrava uma sensação agradável.

Os copos se empilhavam junto a inúmeras garrafas pela casa, eventualmente eram limpos pela necessidade de uma vez mais receberem o líquido vermelho que Irineu tanto apreciava. As garrafas de vinho eram inúmeras; presentes de amigos, conhecidos ou aquisições que ele mesmo fazia com seu trabalho.

Cada copo cheio era admirado contra a luz, examinado pela sua aparência, cor, cheiro e sensações que despertavam em sua boca, antes e após cada gole. Este ritual tomava horas de seu dia, em que era acompanhado pelo tabaco, outro grande prazer de Irineu. Mas tudo pouco importava, a realidade se avizinhava a cada dia que aparecia no horizonte, cheio de sombras, tristeza e mágoa.

O prazer despertado pelo álcool era inversamente proporcional à felicidade do dia seguinte. Seu corpo já não mais aceitava essa agressão em nome do prazer, seu fígado se ressentia pelos maus-tratos de anos, bem como sintomas de gota já surgiam. Seu mau humor era amplamente conhecido por todos os indivíduos que tinham o desprazer de compartilhar minutos junto a ele, alvos que eram de suas perfídias e maquinações.

Nada restava além do álcool e da fumaça que o envolviam quando se isolava. Seu apartamento era um deserto de vida, nunca havia pessoas, plantas ou qualquer tipo de animal, a não ser que morto e pronto para ser cozido. A vida se azedava continuamente e ele não sabia o que fazer.

Não sabia exatamente como tudo havia começado, só percebia que tinha relação com perdas irreparáveis, por sofrimentos que ele mesmo tinha se impingido, ignorando qualquer outra forma de lidar com as incertezas da vida. Tinha se fechado, como um cômodo que coberto por lençóis e sem ver a luz do dia por anos a fio, se visse mofado, sem vida.

Nada mais restava além do álcool, do silencioso envenenamento a que se submetia todos os dias, ciente e esperançoso de que o fim estava próximo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Álcool pode ser prejudicial...
=P

Anônimo disse...

Álcool precisa de muita esperteza e jogo de cintura, mas sim, alivia a alma. Gostaria de conhecer o sofrimento de Irineu.