quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Desafio aceito

Armando era um cara legal, desses com quem você pode passar uma noite inteira conversando sobre amenidades, sem perder o interesse ou sentir-se entediado. Trabalhava em uma pequena loja de brinquedos, das poucas que ainda restavam pela cidade, 10 horas por dia, em uma labuta sem fim. Sua ocupação fora da loja era beber sentado em qualquer botequim, colecionar selos e pintar.

Nos últimos 5 anos mudou de companhia regularmente, poucas eram as que agüentavam suas manias, indecisões e paixões. Explicar a uma mulher o motivo pelo qual tinha praticamente dobrado o turno na véspera do natal e em seguida encontrar-se com os amigos para uma boa cerveja, tinha sido o fim de seu último relacionamento. Contudo, continuava esperançoso e feliz, aguardava de forma paciente por uma nova oportunidade, uma nova mulher para tornar seus dias mais doces.

Ao final de mais um dia de trabalho quase ao encerrar seu expediente, uma última cliente se aproximou do caixa. Era de estatura mediana, cabelos dourados e sorriso perfeito. Armando de imediato não deu grande importância para ela, estava com a cabeça ocupada demais com preços, estoques e outras tantas coisas. Mal humorado, tratou-a de forma seca e áspera mesmo que sem intenção. Ela como resposta apenas olhou em seus olhos de forma terna e sorriu, Armando simplesmente desabou.

Incapaz de manter sua concentração e atordoado por aquela visão começou a gaguejar e por mais que ela repetisse milhares de vezes que seu nome era Laura, ele parecia não entender... Não que ele não entendesse o nome, só não conseguia compreender como alguém tão bela e maravilhosa podia ser chamada de forma tão simples: Laura.

No momento de pagar sua conta ela retirou sua carteira e seu cartão de crédito da bolsa e nesse momento ele se sentiu constrangido. Fez o pacote, colocou uma fita na caixa da boneca que ela havia comprado e se desculpou de maneira constrangedora pelo tratamento anterior. Meio sem jeito, Laura o desculpou e ficou sinceramente impressionada com os olhos do rapaz, de uma sinceridade e meiguice que ela considerou irresistíveis.

No caminho para casa ela se recordou por diversas vezes de Armando, ele parecia tão atrapalhado naquele momento que não tinha dito seu nome a ela, mas é para esse tipo de coisa também que serve um crachá. Com seus passos meio perdidos e cabeça no mundo da lua, ela tinha se esquecido que estava atrasada. Acelerou o passo enquanto corria para o metrô, carregando seu pacote e suas coisas rumo a festa de aniversário de sua sobrinha.

No dia seguinte, a caminho do escritório, ela se olhava no espelho do elevador - cabelos presos em um coque, meia fina, salto baixo e Tailleur, sentia-se impecável. Sorriu para si mesma e passou a manhã inteira com a lembrança de que algo, ou melhor, alguém tinha surgido para ela no dia anterior. Quando estava perto da hora do almoço pensou em como gostava muito de sua sobrinha e como talvez mais um presentinho fosse deixá-la tão contente e a ela própria também.

Laura era advogada, solteira e capaz de contar nos dedos de uma só mão a quantidade de vezes que havia se interessado realmente por alguém. Vivia sozinha em um pequeno apartamento com suas flores. Amava mais do que tudo a liberdade que tinha e procurava mantê-la a todo custo, e por conta disto seus últimos relacionamentos haviam naufragado. Sabia-se bonita e por diversas vezes se utilizava dessa beleza para que portas fossem abertas, pneus trocados, pintura nova, entre outras coisas. Mas nos últimos tempos sentia-se triste, a solidão e a falta de perspectiva amorosa a tinham tornado mais apática, esta era sua chance de mudar.

Ao entrar na loja, ficou decepcionada ao perceber que era outro vendedor que atendia, que Armando não estava ali, ao menos aparentemente. Quando já se preparava para sair, viu seu objetivo sair atrapalhado do estoque, carregado com mil caixas diferentes e com um sorriso bonachão. Mal sabia ela que na verdade ele estava se relembrando do dia anterior.

Armando mal dormira aquela noite, tinha saído da loja pensando em alguma forma de entrar em contato com ela, só não sabia como. Usar o cadastro da loja para ligar para alguém parecia insano, o vexame de que ela não se lembrasse dele ou da loja, até mesmo a falta de um sinal por parte dela de interesse, tornavam proibitivas quaisquer formas de contato. Mas logo ele a viu lá, e seu coração disparou.

Os dois estavam meio constrangidos ao se cumprimentarem, pareciam de volta ao terreno da insegurança adolescente. Ele a ajudou a escolher outra lembrança para a sobrinha, sem desgrudar seus olhos dela ou de alguma parte que a pertencia por um segundo que fosse. Também fez questão de examinar com atenção a mão da bela, na tentativa de conferir se alguém já fazia parte de sua vida, o que aliviado percebeu não ser o caso. E como ela era linda: olhos cativantes e claros, mãos com dedos delicados e finos, boca perfeita, com lábios carnudos mas sem excesso.

No momento em que ela se preparava para sair, ele tomou toda a coragem que ainda existia em seu corpo e se preparou para fazer um elogio, prosseguir em uma tentativa de flerte, qualquer coisa, só para ver seu coração diminuir o ritmo ou sair pela boca de vez. Ao mesmo tempo Laura queria dizer alguma coisa, apesar de temerosa de parecer vulgar, oferecida ou qualquer coisa do tipo. Armando comentou alguma coisa sobre como ela era bonita e por algum motivo que mesmo ele ignorava acabou com as bochechas coradas. Laura achando tudo aquilo terno, tentou dar prosseguimento ao assunto, falando sobre amenidades que vinham a sua cabeça, fitando com verdadeiro interesse os olhos dele. Armando contando com mais confiança graças a isso, pediu seu telefone, no que foi atendido. Pronto, estava feito!

Saíram duas noites depois para jantar, ela escolheu o lugar e isso causou certo constrangimento a Armando, que estava muito mais acostumado com mesas de bar. Ele havia tentado caprichar no visual: usava calça bege, camisa preta e sapato – coisa que o fez se sentir desconfortável por conta do costume de usar apenas seu bom e velho par de tênis. Ao chegar ao restaurante, Laura sentiu o desconforto de seu par e preocupada passou a tentar torna-lo mais relaxado, o que conseguiu graças ao tom doce de sua voz.

Comeram, conversaram, riram e se divertiram por horas, encantados um com o outro. Tinham pouco em comum e era por conta disso que se fascinavam ainda mais, Armando se surpreendia com a firmeza e ambição daquela mulher, ao mesmo tempo em que Laura se encantava com seu jeito despojado.

(Continua)

2 comentários:

Anônimo disse...

Você aceitou meu desafio e conseguiu. Ficou doce e meigo, como eu esperava. Adorei!

Anônimo disse...

Falta a continuação... ^^