quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Dois elefantes incomodam...?

Era inacreditável! A cidade que nunca parava, agora ficava atônita para o acontecimento. Em meio à pista expressa um casal de elefantes andava a passos vagarosos segurando logo atrás os carros, lembrando uma artéria entupida por dois grandes nódulos de gordura. Do alto em um helicóptero, um repórter segurava o microfone e olhava para baixo cuspindo palavras em um frenesi - é uma loucura! Temos que tirar os elefantes de lá. O corpo de bombeiros foi acionado, duas viaturas vermelhas e uma amarela param logo a frente dos paquidermes. Da amarela sai um homem alto de jaqueta bege que se ergue na frente dos animais e com as pernas espaçadas e as mãos na cintura, como um astro de bang bang. Ele olha fixamente para os animais. No peito duas inscrições: Rosalvo; zoonoses. Um outro homem sai pela porta lateral da viatura amarela e entrega ao nosso Clint Eastwood uma enorme espingarda. Rosavaldo abre o cano e coloca delicadamente dois projéteis em forma de seringa. Vira para o lado e sorri com ironia - estes derrubam até elefante - disse. Ele mira, mas os animais continuam impassíveis e continuam a caminhar devagar. Um rapaz magro com óculos extremamente grossos comenta com o colega - Cara parece aquele filme, o Império Contra-ataca, manja? Osvaldo levanta o rifle à altura dos olhos e mira no elefante da direita. Do alto o operador de câmera do helicóptero dá o zoom, em baixo as pessoas saem e se posicionam para ver melhor o espetáculo. Milhares de pessoas acompanham pela televisão a locução emocionada do apresentador do programa diário. Nas escolas as crianças descem ao pátio, os médicos param suas consultas e acompanham pelas telas espalhadas pela cidade, o taxista aumenta o volume do rádio. A cidade se conecta, tudo no tempo e no espaço se converge ali, naquele momento. Nada mais importa, a cidade parou. A respiração de todos entra em harmonia com a de Rosalvo. Ele atira. O projétil penetra na carne gorda do animal, ele levanta a tromba ao alto e empina. Seus olhos se transformam e assumem uma cor avermelhada e fixa, ele pisca e os olhos lacrimejam, as pálpebras se fecham e ele tomba. Sem demora, Rosalvo mira no segundo elefante e dispara, o sucesso é o mesmo, a multidão aplaude o nosso herói. Rosalvo sorri, ele ficou famoso. Nunca com seu mísero salário de 900 reais ele conseguira comprar um horário na TV só para ele. Agora ele tem a fama, momentânea que fosse, só para ele e para os dois elefantes. Mais tarde uma carreta aparece e retira os animais que são levados ao zoológico onde estão até agora. Para o resto de nós sobra apenas a felicidade de vivermos nossa vida repetida e medíocre seguindo uma cidade que não para, pelo menos até dois elefantes aparecerem em nossa vida.

2 comentários:

Tie disse...

Só uma cena asssim, para agradar o povo.

Jack disse...

É o teatro do absurdo.