Andava sem saber bem o porquê, apenas sabia que algo o sufocava e que ele não tinha uma explicação razoável ou maneira de se desvencilhar de tudo isso. Cada passo não era planejado, não levava a destino nenhum específico e apenas era conseqüência da necessidade de se manter
Ele acreditava que andar tornaria mais difícil pensar, mas logo viu que as duas coisas não se dissociavam, o cansaço relativo ao desgaste só o entreteria
Como a cabeça não desanuviava, como os sentidos não se embotavam, foi obrigado a pensar em novas estratégias. A primeira que veio a sua cabeça foi utilizar a corrente que sempre levava consigo, enrolando cada ponta em uma das mãos e em seguida puxando. A dor resultante era razoável e de certa forma ajudava a passar o tempo, sofrer fisicamente é mais imediato e distrai bem mais do que só no campo das idéias, porém, não era o bastante.
As chaves que pendiam da corrente também ganharam participação na cena, sem parar por um minuto que fosse ele as apertava contra o antebraço, querendo acompanhar se alguma conseguia romper a pele e, quem sabe, até mesmo sangrar um pouco que fosse. Podia parecer patético, mas na rua, sem objetos cortantes o suficiente e sem querer chamar atenção desnecessária, era o algo possível. Para seu desalento, conseguiu apenas manchas roxas e alguma pele mais esfolada do que qualquer outra coisa.
O cenário mudava mas os sentimentos ainda estavam lá, confusos, perdidos e até mesmo desesperadores. O próximo alvo eram os postes, apenas os metálicos que ele encontrava pelo caminho e que golpeava sucessivamente com cada uma de suas mãos. Era um ato de concentração, golpear errado e quebrar um dedo era uma idiotice a qual ele não podia se permitir. Sua mão direita acertava com gosto, sempre pronta a fazer barulho e balançar o que se apresentava a sua frente. A mão esquerda era uma lástima, passava longe dos postes ou simplesmente doía a cada golpe aplicado, provocando pouco movimento e quase nenhum som.
Mãos esfoladas e cortadas, antebraço ferido, o andar incessante, tudo isso proporcionava um pouco de endorfina, um pouco de prazer agora bem vindo. Nem assim ele parou; perdeu a conta de quantos carros ameaçaram atropelá-lo e ele de forma distraída só percebeu no último momento; não sabia aonde ia ou o que faria, apenas andava sem direção.